O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto votou ontem pela derrubada da
Emenda Constitucional nº 62, que criou em 2009 um regime especial para
pagamento de precatórios - dívidas públicas reconhecidas judicialmente. A
emenda permitiu aos Estados, Distrito Federal e municípios parcelar
seus débitos em 15 anos, ou destinar de 1% a 2% de sua receita corrente
líquida para o pagamento desses títulos. Na tarde de ontem, o STF
começou a julgar quatro ações pedindo a declaração de
inconstitucionalidade da emenda. Após o voto de Ayres Britto, relator
dos processos, declarando o texto inconstitucional, o julgamento foi
interrompido por um pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Em seu voto, Ayres Britto teceu duras críticas à Fazenda Pública por
não honrar suas dívidas, e lembrou que a norma questionada ficou
conhecida como "Emenda do Calote". Para ele, o regime especial de
parcelamento segue uma "lógica hedonista de que as dívidas do Estado
devem ser pagas quando e se o governante assim desejar". Nas palavras do
ministro, trata-se de um "caricato surrealismo jurídico" em que "o
Estado se coloca muito acima da lei e da Constituição". O ministro Marco
Aurélio se adiantou com um comentário: "Em última análise, o que se tem
é um calote oficial."
Além de parcelar a quitação das dívidas públicas, a Emenda 62 criou
um leilão pelo qual os credores que oferecerem maior desconto nos
precatórios recebem primeiro - alterando com isso o critério cronológico
de pagamento. Modificou ainda a correção monetária dos títulos,
estipulando como índice a caderneta de poupança - desfavorável ao
credor.
As quatro ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) foram
apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) e as associações nacionais de magistrados
estaduais (Anamages) e trabalhistas (Anamatra). O principal argumento é
que a emenda viola diversos princípios constitucionais, como o da
dignidade humana, da separação dos poderes (ao permitir que o Executivo
altere critérios de pagamento definidos pelo Judiciário), da segurança
jurídica e da coisa julgada. A OAB estima que os precatórios dos
Estados, Distrito Federal e municípios somem R$ 100 bilhões.
As quatro Adins foram levadas a plenário inicialmente em 16 de
julho, quando as partes envolvidas se manifestaram. O advogado-geral da
União, Luís Inácio Adams, reconheceu que o regime de precatórios "não
tem satisfeito nossa demanda por prestação jurisdicional", mas afirmou
que o Estado tem que balancear o pagamento com obrigações em outras
áreas, como educação, saúde e estabilidade econômica.
Em seu voto, Ayres Britto narrou que pediu informações aos Estados e
municípios quanto a suas contas. E chegou à conclusão de que, em muitos
casos, não se trata de uma escolha entre pagar precatórios ou prestar
serviços básicos. O ministro mencionou, por exemplo, que o Distrito
Federal pagou R$ 6,5 milhões em precatórios em 2008, enquanto gastou
mais de R$ 152 milhões em publicidade. "Fica evidente que o montante
atual da dívida é resultado do descaso dos governantes com as decisões
judiciais", declarou o ministro.
Se acompanhado pela Corte, o voto de Ayres Britto derrubará a emenda
na íntegra, pois declarou sua inconstitucionalidade formal. O ministro
entendeu que, ao aprová-la, o Congresso não seguiu o rito exigido pela
Constituição. Ayres Britto propôs que, para solucionar o impasse, a
União assuma os débitos de Estados e municípios como garantidora, e faça
um refinanciamento.
Maíra Magro - De Brasília
Juros a 12%, multa a 2%, anatocismo, comissão de permanência
São formalizações de requisições de pagamento de determinada quantia, superior a 60 salários mínimos por beneficiário, devida pela Fazenda Pública.
Jurisprudência (do Latim: iuris prudentia) é um termo jurídico que significa conjunto das decisões e interpretações das leis.
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